Vou então contar-vos a minha bonita viagem ao mundo da deficiência

Felizmente (sim, felizmente!) estou rodeada de incríveis seres humanos com deficiência há quase dez anos. E é caso para dizer que de há dez anos para cá a minha perceção do mundo, da vida, e dos seres humanos com deficiência em particular mudou radicalmente.

Num curto espaço temporal percebi que poucas pessoas me farão sentir tão bem ao pé delas quanto estes amores. Porque é realmente de amor que vos falo. Um amor muito difícil de encontrar naqueles que habitualmente nos rodeiam. Um amor que normalmente se faz acompanhar de um olhar puro e despido de todas aquelas coisas menos boas que vamos acumulando na nossa personalidade ao longo da vida. Imaginem a melhor versão de vocês mesmos, eles são assim.

 

Tenho uma enorme satisfação e um orgulho muitas vezes difícil de explicar em poder mudar a vida de muitos deles. Porque se em relação à personalidade de cada muito de maravilhoso tinha para vos contar, já em relação à condição física, infelizmente a genética não lhes é nada ”amiga”. No caso dos meninos com síndrome de down por exemplo, são muitas as complicação diagnosticadas logo à nascença e outras tantas complicação que vão surgindo ao longo da vida que exigem um acompanhamento de perto para que sejam amenizadas ou pelo menos controladas.

 

É com muito prazer que sou nutricionita já há alguns anos na AIREV, associação em Vizela de miúdos e graúdos com deficiência, e claro que não é fácil, tenho pela frente dos maiores desafios enquanto profissional. A ”doutora da comida”, como muitas vezes me chamam, tem que regrar, dizer não, e muitas vezes ser dura com aqueles maravilhosos olhinhos postos em mim. Sabiam que, por exemplo, muitos dos meninos da AIREV tem níveis praticamente inexistente de leptina no organismo? E, surpresa das surpresas para muitos de vocês, é a leptina que informa a nosso cérebro, quanto estamos a comer, que estamos saciados.

 

Ora agora façam o exercício, sem leptina o cérebro não recebe a informação, logo o apetite é infindável. E explicar tudo isto aos meus amores? Bem, certamente agora já entenderão melhor aquelas barriguinhas. Esta é apenas uma das razões claro, a compensação por parte dos familiares, o sedentarismo, a hipotonia, entre outras tantas coisas que deixam marcas nos seus corpos inevitavelmente. Na próxima semana publicarei na minha conta do facebook um programa de rádio onde tive a oportunidade de falar sobre este assunto em detalhe e aí perceberam melhor este enorme desafio.

 

O que descrevi no parágrafo acima é apenas um dos muitos desafios que tenho pela frente nos meus dias para tornar a vida destes meninos bem mais saudável e sobretudo duradoura. Confesso-vos que na AIREV cresci muito enquanto profissional, mas, honestamente, cresci essencialmente enquanto pessoa. Creio que a convivência com eles me aproximou daquilo que desejo vir um dia a ser, mais tolerante, menos exigente, e com uma visão de gratidão sobre as mais pequenas coisas.

 

Nem sempre é fácil lidar com a deficiência, e em termos nutricionais, com o leque gigante de problemas que podem acarretar, tudo se torna numa árdua missão, mas é muito gratificante perceber o quanto o meu trabalho é capaz de ajudar, simplificar, e ter um grande impacto na saúde destes maravilhosos seres humanos.

 

Senti necessidade de vos contar tudo isto, porque gostava de partilhar mais convosco o quão vos pode preencher trabalhar numa instituição como a AIREV, com um projeto todo ele desenvolvido em torno a melhoria da qualidade de vida dos seus meninos, como carinhosamente os tratamos. Em breve partilharei convosco mais histórias, fiquem atentos :).

*Fotografia retirada do Facebook da AIREV

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