A que está disposto um campeão?

Apresento-vos o Eduardo Machado, campeão nacional de Low kick.

O Eduardo, tal como tantos outros atletas de modalidades de combate, “sofria” em maior ou menor escala para atingir o peso requerido para combate. Sabemos que em competições de luta, os atletas são divididos por categorias de peso onde a lógica é colocar indivíduos com a “mesma” composição corporal em combate, sendo essa a única variável utilizada para equiparar o conceito físico de força.

Mas, as coisas, não são assim tão simples. Muitos atletas de MMA, boxe, jiu-jitsu, wrestling, judo, karatê, kickboxing e de tantas outras modalidades, sofrem para se enquadrarem numa divisão de peso a qual, muitas das vezes, não pertencem. Vários estudos demosntram que cerca de 60% dos lutadores, 60%, perde peso de forma drástica antes da pesagem, recuperando algum peso após esta mesma pesagem.

Hipoteticamente falando, e a título de exemplo, um atleta que pese cerca de 80kg resolve aventurar-se a lutar na categoria dos 70kg. Para isso, ele terá de perder 10kg, sendo que aqui nesta fase ele pode seguir dois caminhos: pedir opinião e ser seguido por um profissional de maneira a que o corte de peso seja feito de forma gradual (não comprometendo a sua performance em luta), por exemplo em três meses, como fez o Eduardo; ou pode optar pelo corte abrupto dos 10kg na semana da luta. Será esta a melhor forma de o fazer? NÃO. Os sacrifícios e os potenciais danos para o corpo são enormes e a frequência com que estes atletas se submetem a este procedimento, torna o risco ainda maior.

Além da restrição em calorias, são usadas técnicas radicais para o corpo como desidratação intensa através de sauna, banheira com água quente e exercícios com roupas de plástico com a finalidade de aumentarem a sudorese. O grande perigo dessas técnicas é que elas são baseadas apenas na indução da perda de peso pela eliminação de água e eletrólitos, que são fundamentais para a manutenção da função do corpo.

Assim, um atleta que acelere o processo de perda de peso pode apresentar diversos problemas agudos e crónicos de saúde.  

Num primeiro momento, a desidratação induz a diminuição do volume plasmático sanguíneo, a sua parte líquida, com consequente aumento da viscosidade do sangue. Provocando um aumento do trabalho do sistema cardiovascular podendo sobrecarregá-lo, aumentando os riscos de desiquilíbrios cardíacos mesmo em indivíduos saudáveis, a longo prazo. 

A perda de líquidos realizada de forma intensa, sustentada e repetida aumenta as probabilidades de aparecimento de cálculos renais, uma vez que a desidratação favorece a formação de cristais que se depositam nos rins. Quando combinado com uma dieta rica em proteína, dieta usada frequentemente por lutadores para ganho de massa muscular, o problema torna-se ainda mais grave. Os rins têm a capacidade de excretar os excessos do metabolismo das proteínas mas, quando estão sobrecarregados gera-se um acúmulo desses metabolitos que ficam retidos neste orgão.

O uso de laxantes ou de diuréticos é, também, bastante frequente, sendo a indução do vómito uma opção para estes atletas. Um verdadeiro atentado ao corpo humano!

Uma pesquisa recente comprovou que o sistema hormonal fica também bastante comprometido com estas perdas rápidas de peso, uma vez que os atletas estudados mostraram uma diminuição significativa de testosterona circulante para níveis abaixo do normal com um aumento dos níveis de cortisol. Em desportos de combate, particularmente, isto pode significar uma grande desvantagem. Primeiro porque a testosterona confere força e agressividade, e a falta destes dois parâmetros prejudica largamente a performance do atleta. E segundo, porque o aumento do cortisol aumenta o catabolismo, ou seja, aumenta a perda de massa muscular.

Para além de todos estes aspetos supramencionados não podemos esquecer que atletas submetidos a uma dieta hipocalórica têm uma propensão maior para desenvolver alterações no estado psicológico, como: depresão, raiva, tristeza, fadiga mental e física, entre outros. A recuperação para a condição “normal” nestes casos, pode levar cerca de 3 dias. 

Assim, mesmo com a recuperação de peso nas 24 horas seguintes à pesagem, o corpo não consegue restabelecer suas funções por completo. Alguns lutadores podem sentir mais o impacto na performance, outros nem tanto. Tudo depende da condição física do atleta.

Lutar na categoria de peso certa é o melhor caminho para que os lutadores se consigam manter saudáveis. Ou então, mesmo que tenham de perder peso que o façam de forma organizada, atempada e com a ajuda de um profissional de saúde, no caso, de um Nutricionista.

Da minha parte, fico contente por perceber que o Eduardo entendeu a importância de uma alimentação equilibrada na sua performance e, que por isso, tenha influenciado positivamente muitos dos seus colegas a fazerem o mesmo ☺️

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